quinta-feira, 26 de julho de 2012

O Poeta é um fingidor




Assim, Sem Nada Feito e o Por Fazer


Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.

Ténue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem acção,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.

Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.

Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!



análise do poema "assim, sem nada feito e o por fazer"



 

O poema que se inicia com "Assim, sem nada feito e o por fazer..." é um poema ortónimo de Fernando Pessoa.

Trata-se de um poema feito para o cancioneiro, ou seja, originalmente pensado para ser musicado. E podemos ver como no ritmo da poesia há uma tendência natural para imaginar os versos cantados, pois são algo extensos e elaborados.

No entanto a temática é uma temática comum a tantos outros poemas ortónimos de Pessoa: trata da desilusão com a vida e na esperança numa vida melhor.

Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.

Este é certamente um poema de juventude porque o sujeito poético continua - embora já de uma forma enfraquecida - a acreditar na "esperança". Há nele um grande cansaço, porque os seus sonhos não se realizam ("sem nada feito") e não tem claros os planos para o futuro ("o por fazer"), mas perdura nele a esperança. É curioso que ele ligue a esperança à mocidade, à juventude. Na realidade é na juventude que sempre esperamos pelo melhor e onde geralmente temos os mais altos sonhos, sendo que a idade adulta muitas das vezes, a chegar, nos tira certas ilusões sobre o que podemos ou não conseguir fazer.

Tênue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem acção,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.

Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.

Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!

Outro apontamento que nos indica que este poema é de juventude é uma grande impaciência. Ao longo do tempo pode-se comprovar na escrita de Fernando Pessoa um crescendo em termos de aceitação da realidade. Aqui ele ainda não aceita essa realidade, seja positiva ou negativa, apenas lhe incomoda que os dias passem "sem proveito", sem que nada aconteça de importante e ele permaneça desconhecido, sem nada ter conseguido de relevante. É por isso que ele, no final, contrapõe o sonho à realidade - "Ah, deixem-se sonhar sem esperar!". Na verdade o sonho não precisa da realidade para se concretizar - todos os sonhos podem ser imediatamente reais na nossa imaginação. O problema está mesmo em imaginar algo e depois esperar que esse algo se concretize na vida real. Ele está cansado precisamente dessa espera, sentindo-se inútil - um "vadio sem andar" e esse tédio, esse sentimento de nada se concretizar, começa a invadi-lo e a incomodá-lo.

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