segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Minha Tese: Percursos e Representações sobre o Consumo Excessivo de Álcool: Um Estudo Exploratório na Grande Área de Lisboa - ESTUDO DE CASO: PERCURSOS E REPRESENTAÇÕES DE CONSUMIDORES EXCESSIVOS DE ÁLCOOL



Práticas e representações sobre o Consumo
Excessivo de álcool


Relativamente às Praticas, estas estão ligadas às formas de fazer ou produzir qualquer actividade regular mais ou menos codificada. As práticas sociais reproduzem-se no quotidiano do indivíduo determinadas por factores de ordem económica, cultural, religiosa ou política. Nesta investigação interessa relacionar a alteração destas regularidades normativas na acção dos indivíduos, desde o momento em que passam de consumidores de álcool, para a situação de consumidores excessivos. Pierre Bourdieu introduziu o conceito de habitus que explica a reprodutibilidade das acções dos indivíduos de acordo com um determinado fio condutor, assim “o habitus é o princípio gerador de práticas objectivamente classificáveis e o sistema de classificação (pricipium divisionis) dessas práticas»[1]. É nesta relação, entre a capacidade de produzir práticas e a capacidade de diferenciar e apreciar essas práticas, ou seja, o gosto, que se constitui o espaço dos estilos de vida.
Os habitus, são por assim dizer esquemas de percepção e apreciação da acção, ou seja, normas interiorizadas, o indivíduo fica habilitado para que no decorrer da sua vida possa dar resposta aos estímulos convencionais cuja origem assenta nas estruturas do mundo que tem como objectivo definir os limites e as imposições da acção. São as estruturas que delimitam o campo de acção, então o indivíduo quando inicia a sua aprendizagem face ao mundo que o rodeia e o inclui, incorpora logo desde o início as próprias estruturas e as respectivas tendências. As diferentes condições de existência produzem habitus diferentes, este por sua vez estrutura as práticas e as representações. As práticas que originam os diferentes habitus inscrevem-se nas diferentes condições de existência dos agentes, possuidores de capacidades de percepção e apreciação necessárias para apreender e avaliar as diversas práticas. Condições de existência diferentes produzem habitus diferentes. As práticas que originam os diferentes habitus inscrevem-se nas diferentes condições de existência dos agentes, possuidores de capacidades de percepção e apreciação necessárias para apreender e avaliar as diversas práticas.
Por outro lado, as representações implicam uma relação de um sujeito com um objecto, no entanto, entendemos por representações as construções subjectivas dos sujeitos acerca dos objectos, portanto não é uma reflexão do objecto, é uma actividade que envolve uma construção, modelização e simbolização. Podemos afirmar que existem representações de vários tipos e sobre variados objectos. São consideradas representações sociais quando são partilhadas por um conjunto de indivíduos. “No caso do estudo das representações sociais, o nível de análise que se salienta é aquele que reenvia o sujeito para as suas pertenças sociais e para as actividades de comunicação, e a representação para a sua funcionalidade e eficácia sociais”.[2] O que pretendemos é saber quais as representações que os indivíduos consumidores de álcool possuem de si próprios. Se obtivermos um elevado número de indivíduos que partilhem duma semelhante visão do consumo excessivo de álcool, poderemos falar em representações sociais. Mesmo quando abordamos dois ou três grandes grupos distintos de visão do mundo, continuamos a falar em representações sociais, só que diferenciadas.
Após estas notas introdutórias passemos à análise da primeira questão, que era: o que representa para si consumir álcool?
As respostas foram diversas, mas algumas têm uma certa regularidade, senão vejamos:

“Beber álcool para mim era como uma fuga à realidade da vida.
“Enquanto bebia, estava eufórico, estava alegre, estava com os outros, não tocava nesses problemas, deixava andar, só que ao mesmo tempo estava a agravar mais a minha situação…”
(Entrevista Nº 1)


“Enquanto bebia, esquecia os problemas do dia a dia, ficava mais eufórico, mas mantinha sempre o meu ar bonacheirão,…”
(Entrevista Nº 2)

“Quando eu tinha qualquer coisa que me variava, ía comprar, e comprava vinho que era mais barato, mas eu não goste do álcool, foi sempre um escape…”
(Entrevista Nº 5)

“Quando bebia o álcool representava uma fuga, era um anestesiar dos sentimentos, era não querer encarar a realidade que não se gosta…”
(Entrevista Nº 7)

Poderíamos evocar mais algumas respostas, mas estas são suficientes para verificamos que existe uma certa normalidade em relação aquilo que o álcool representa, fuga, refúgio, escape, para não encarar a realidade da vida.
Quando se questionou na pergunta seguinte, se o indivíduo se acha um peso para a sociedade, ou se se achou, na altura em que consumia álcool em excesso, a regularidade das respostas ainda foi maior, sendo o não, a resposta com maior incidência. Existiram contudo duas respostas diferentes, foram:

“… cheguei a vender o meu próprio sangue nos hospitais para ter dinheiro para beber, era efectivamente um “peso” para a sociedade, naquela fase não havia dúvidas.”
(Entrevista Nº 3)

“Naquele período mais agudo do consumo de álcool, efectivamente, era um peso para a sociedade, mas digo isto agora, porque naquele tempo, nem pensar…”
(Entrevista Nº 9)

E o papel das instituições, é valorizado pelos próprios “utilizadores”, ou pelo contrário, são instituições desprezíveis, desnecessárias e que maltratam as pessoas? Quisemos saber:

“Portanto o CRAS nunca conseguiu que eu deixasse o álcool, mas conheço algumas pessoas que conseguiram, por isso ache que este tipo de instituições são muito úteis.”
(Entrevista Nº 4)

“O CRAS, que é aquele que conheço, é uma instituição dura, aquilo é muito duro lá, mas eu acho que tem de ser assim, para as pessoas aprenderem, é uma coisa muito boa, detestei estar lá internada, mas tem que ser assim, é uma forma dura de encarar e ver a realidade, se fosse muito boa, as pessoas não aprendiam nada, mas assim ajuda muito a deixar o álcool, é muito difícil a pessoa sair sem esta ajuda médica porque eles lá dentro… “
(Entrevista Nº 7)

“Eu estou a referir que estive aqui, mas é bom dizer que foi no Telhal, que a minha vida nasceu de novo, que eu me tornei um homem novo, que me saiu a sorte grande, talvez uma sorte grande diferente do totoloto, mas que para mim é um totoloto.”
(Entrevista Nº 1)

“Mas hoje posse vos dizer, que de facto, abençoada a hora que eu cheguei aqui, a esta casa, encontrei-me aqui com uma equipa multidisciplinar vocacionada para o doente alcoólico, que efectivamente, me tratou com carinho, com respeito, tratou-me como ser humano, que eu era, e na realidade quando eu saí daqui levei outro pensamento, outra ideia para poder transmitir na Guarda.”
(Entrevista Nº 2)


De todas as respostas, existe uma concordância quase total para a existência deste tipo de instituições, apenas com a diferença de que alguns as acham muito duras, mas compreendem que é uma forma dos indivíduos deixarem a bebida. O que não deixa de ser natural, pois todas as entrevistas se realizaram a indivíduos que estavam ou estiverem internados neste tipo de instituições.
Para terminar este conjunto de questões, abordou-se as preocupações que os indivíduos têm perante o alcoolismo, havendo também aqui uma regularidade muito grande, nomeadamente em relação à juventude, e aos seus elevados consumos ainda em idades muito jovens, dizem-nos alguns entrevistados:

“Eu quando vejo jovens, de catorze, quinze anos, em Alcoólicos Anónimos, é inadmissível, porque eles conseguem entrar em discotecas, ou porque os porteiros fecham os olhos, ou porque levam bilhetes de identidades falsos, mas eles não olham para a cara da pessoa e não vêem? O álcool daqui a pouco está pior que a SIDA, ou qualquer outra droga, porque cada vez se consome mais álcool. Não me admiro nada que qualquer dia o álcool esteja em primeiro lugar no consumo das pessoas.”
(Entrevistada Nº 5)


“O álcool é um problema que tende a aumentar, eu vejo o meu sobrinho já a consumir, é um consumismo já directo e publicitário para os homens consumirem álcool muito rapidamente, eles hoje em dia querem tudo muito rapidamente, temos Internet, mas a publicidade é culpada, veja bem a imagem que dá, “Portugal apoia a selecção”, e ali a garrafa de cervejinha logo ali, e depois no fim, com um bocado de decência “beba com moderação”.
(Entrevista Nº6)

“Eu acho que nunca deviam dar álcool as pessoas com menos de dezoito, e depois as pessoas não são ensinadas a ver aquilo que o álcool faz, e mete-me um bocado de impressão ver pessoas tão novas a consumirem álcool e um dia podem cair mesmo na dependência, isto é um problema da nossa sociedade, mete-me muita aflição ver pessoas tão novas alcoolizadas”
(Entrevista Nº 7)



[1] BOURDIEU, Pierre ,  La Distinction - Critique Social du Jugement, Paris, Éd. de Minuit, 1979,  p.199
[2] VALA, J., MONTEIRO, M. B., Psicologia Social, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,1994

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