sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Como nasceu a Sociologia em PORTUGAL? (Parte I)


O anterior regime político deixou marcas profundas em toda a comunidade científica portuguesa. Em domínios, mais contestadores da ordem social, como é o caso das ciências sociais e da sociologia em particular, o poder político nunca deixou a divulgação das ideias, a organização de debates, a formação de especialistas, construindo uma paz podre e evitando o desenvolvimento de uma comunidade intelectual autónoma e dialogante.
Contudo mesmo antes da revolução de 25 de Abril de 1974, com o surgir de um sector modernizado da sociedade portuguesa, desejoso de reformas e críticos em relação ao modelo de gestão do país, aparecem as ciências sociais como um instrumento importante desse desenvolvimento.
Com o 25 de Abril de 1974 surgem novas disciplinas, como a Sociologia, Antropologia Social, Ciências da Educação, etc., sendo criadas diversas licenciaturas e pós-graduações espalhados por todo o território nacional. Aparecem centros de pesquisa, normalmente ligados às universidades, constituem-se associações científicas, aparecem publicações de novas revistas especializadas sobre o assunto, organizam-se encontros e congressos, ou seja, numa palavra, consolidam-se as novas ciências sociais, onde a Sociologia irá ter um papel fundamental na divulgação de novas ideias e no desenvolvimento da sociedade portuguesa.
Em Portugal e até meados do século XX, foram duas as influências verdadeiramente marcantes na sociedade portuguesa, a do positivismo e a do reformismo playsiano.
Quanto à primeira, Teófilo Braga foi o seu grande divulgador, lutando contra uma filosofia idealista muito forte e hostil, nomeadamente pelas elites intelectuais, culturalmente retrógradas e politicamente conservadoras. Teófilo Braga, que foi Presidente da República, pertenceu ao Instituto Internacional de Sociologia, fundado em 1893, tendo seu vice-presidente em 1913. Contudo o papel central da sociologia que era a reforma da sociedade portuguesa e a condução para um mundo civilizado e de progresso nunca foi alcançado, pela falta de produção científica consistente e empiricamente fundamentado.
Compreende-se desta forma, o relativo sucesso da outra tradição – a do reformismo de Le Play.
Tudo começa em 1908, quando a Sociedade de Geografia de Lisboa, convida J. Durieu, secretário da Societé Internationale de Science Sociale, fundada em 1904 por vários discípulos de Le Play, a fazer um ciclo de conferências sobre as teorias da reforma social e o método das monografia usado pela sociedade nos seus estudos. No ano seguinte, um outro sociólogo, também discípulo da mesma escola faz um estudo sobre a sociedade portuguesa, onde são assinalados factores de desorganização social profundos e continuados e se conclui que as classes sociais e as estruturas das famílias portuguesas, não favoreciam a emergência dos princípios por que se deviam reger as sociedade modernas, a saber: valores pessoais sobre a condição social, o primado do trabalho sobre a política e a abertura ao exterior. São dados assim os primeiros passos para o sucesso da sociologia em Portugal e em 1918 é criada no Porto a Sociedade Portuguesa de Ciência Social, a primeira associação de cientistas sociais formada no país. Se é verdade que esta sociedade nunca se tenha conseguido verdadeiramente impor, as ideias de raiz playsiana sobre a centralidade da família na ordem social e a subsidiariedade do Estado relativamente à autonomia moral desta tiveram crescente aceitação, desde logo pela aristocracia rural e pelos sectores da burguesia que aspiravam a assumir os padrões dessa aristocracia. O que é facto é que o reformismo social favorecia o entendimento entre os diferentes grupos sociais e defendia a correcção coerciva desde que necessária para preservar o homem da tentação. O reformismo social apoiava-se ou inspirava-se na doutrina oficial do catolicismo e aproximava-se das soluções integristas. Não admira, portanto que mais tarde Salazar convide um outro representante da Escola de Le Play, Paul Descamps, para replicar o estudo feito anteriormente sobre a sociedade portuguesa, esperando deste modo fundamentar os estudos credíveis as opções políticas que tencionava desenvolver. No entanto os resultados não agradaram ao regime perante o reconhecimento de Descamps de que “a concepção de sociedade ditada pelo Estado Novo não deixava o mínimo lugar a uma disciplina como a sociologia, mesmo que esta fosse discreta nas menores alusões críticas”.
Independentemente do fracasso de tentar casar a sociologia com os interesses do poder político, as marcas deixadas por esta escola playsiana foram sobretudo importantes na organização de cursos de serviço social e de enfermagem. Os novos institutos criados nestes dois domínios na segunda metade da década de 30 e inspirados no catolicismo social integraram a metodologia sociológica, como componente da formação dos futuros profissionais.

Adaptado de um artigo de Pedro Hespanha "Os custos e os Benefícios da Institucionalização tardia da Sociologia em Portugal" de Outubro de 1996

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